ENCÍCLICA
HUMANUM GENUS
DO PAPA LEÃO XIII
SOBRE A MAÇONARIA
Aos Patriarcas,
Primazes, Arcebispos, e
Bispos do Mundo Católico em Graça e Comunhão com a Sé Apostólica.
1. O Gênero Humano,
após sua miserável queda de Deus, o Criador e Doador dos dons celestes,
"pela inveja do demônio," separou-se em duas partes diferentes
e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e
a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma
é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus
Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de
modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único
Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino
de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam
o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se
recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios
em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus.
2. Este reino dividido
Sto. Agostinho penetrantemente discerniu e descreveu ao modo de duas cidades,
contrárias em suas leis porque lutando por objetivos contrários; e com
sutil brevidade ele expressou a causa eficiente de cada uma nessas palavras:
"Dois amores formaram duas cidades: o amor de si mesmo, atingindo
até o desprezo de Deus, uma cidade terrena; e o amor de Deus, atingindo
até o desprezo de si mesmo, uma cidade celestial."[1] Em cada período
do tempo uma tem estado em conflito com a outra, com uma variedade e multiplicidade
de armas e de batalhas, embora nem sempre com igual ardor e assalto. Nesta
época, entretanto, os partisans (guerrilheiros) do mal parecem estar se
reunindo, e estar combatendo com veemência unida, liderados ou auxiliados
por aquela sociedade fortemente organizada e difundida chamada os Maçons.
Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles estão agora
abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando
a destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o
propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade,
se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus
Cristo nosso Salvador. Lamentando estes males, Nós somos constrangidos
pela caridade que urge Nosso coração a clamar freqüentemente a Deus: "Ó
Deus, eis que Teus inimigos se agitam; e os que Te odeiam levantaram as
suas cabeças. Eles tramam um plano contra Teu povo, e conspiram contra
Teus santos. Eles disseram: 'vinde, destruamo-nos, de modo que eles não
sejam uma nação'."[2]
3. Em uma crise tão
urgente, quando tão feroz e tão forte assalto é feito sobre o nome Cristão,
é Nosso ofício apontar o perigo, marcar quem são os adversários, e no
máximo de Nosso poder fazer uma barreira contra seus planos e procedimentos,
para que não pereçam aqueles cuja salvação está confiada a Nós, e para
que o reino de Jesus Cristo confiado a Nosso encargo possa não só permanecer
de pé e inteiro, mas possa ser alargado por um crescimento cada vez maior
através do mundo.
4. Os Pontífices Romanos
nossos predecessores, em sua incessante vigilância pela segurança do povo
Cristão, foram rápidos em detectar a presença e o propósito desse inimigo
capital tão logo ele saltou para a luz ao invés de esconder-se como uma
tenebrosa conspiração; e, além disso, eles aproveitaram e tomaram providências,
pois a eles isso competia, e não permitiram a si mesmos serem tomados
pelos estratagemas e armadilhas armadas para enganá-los.
5. A primeira advertência
do perigo foi dada por Clemente XII no ano de 1738[3], e sua constituição
foi confirmada e renovada por Bento XIV[4]. Pio VII seguiu o mesmo caminho[5];
e Leão XII, por sua constituição apostólica, Quo Graviora[6], juntou os
atos e decretos dos Pontífices anteriores sobre o assunto, e os ratificou
e confirmou para sempre. No mesmo sentido pronunciou-se Pio VIII[7], Gregório
XVI[8], e, muitas vezes, Pio IX[9].
6. Tão logo a constituição
e o espírito da seita maçônica foram claramente descobertos por manifestos
sinais de suas ações, pela investigação de suas causas, pela publicação
de suas leis, e de seus ritos e comentários, com a freqüente adição do
testemunho pessoal daqueles que estiveram no segredo, esta sé apostólica
denunciou a seita dos Maçons, e publicamente declarou sua constituição,
como contrária à lei e ao direito, perniciosa tanto à Cristandade como
ao Estado; e proibiu qualquer um de entrar na sociedade, sob as penas
que a Igreja costuma infligir sobre as pessoas excepcionalmente culpadas.
Os sectários, indignados por isto, pensando em eludir ou diminuir a força
destes decretos, parcialmente por desprezo, e parcialmente por calúnia,
acusaram os soberanos Pontífices que os passaram ou de exceder os limites
da moderação em seus decretos ou de decretar o que não era justo. Este
foi o modo pelo qual eles esforçaram-se para eludir a autoridade e o peso
das constituições apostólicas de Clemente XII e Bento XIV, e também de
Pio VII e Pio IX[10]. Entretanto, na própria sociedade, encontraram-se
homens que relutantemente concordaram que os Pontífices Romanos tinham
agido dentro de seu direito, de acordo com a doutrina e disciplina Católicas.
Os Pontífices receberam a mesma concordância, em termos fortes, de muitos
príncipes e chefes de governo, que tomaram como um dever ou delatar a
sociedade maçônica à sé apostólica, ou por seu próprio acordo por leis
específicas declará-la perniciosa, como, por exemplo, na Holanda, Áustria,
Suíça, Espanha, Bavária, Savóia, e outras partes da Itália.
7. Mas, o que é da
maior importância, o curso dos eventos demonstrou a prudência dos Nossos
predecessores. Pois a sua providente e paternal solicitude não conseguiu
sempre e em todo lugar o resultado desejado; e isto, ou por causa do fingimento
e astúcia de alguns que eram agentes ativos na maldade, ou então da irrefletida
leviandade do resto que deveria, em seu próprio interesse, ter dado ao
assunto sua diligente atenção. Em conseqüência, a seita dos Maçons cresceu
com uma velocidade inconcebível no curso de um século e meio, até que
se tornou capaz, através de fraude ou audácia, de obter tal acesso em
cada nível do Estado de modo a parecer quase a sua força governante. Este
veloz e formidável avanço trouxe sobre a Igreja, sobre o poder dos príncipes,
sobre o bem estar público, precisamente aquele grave dano que Nossos predecessores
tinham previsto muito antes. Tal condição foi atingida que de agora de
diante haverá grave razão para temer, não realmente pela Igreja - porque
sua fundação é firme demais para ser derrubada pelos esforços dos homens
- mas por aqueles Estados em que prevalece o poder, ou da seita da qual
estamos falando ou de outras seitas não diferentes que curvam-se a ela
como discípulas e subordinadas.
8. Por estas razões
Nós, tão logo chegamos ao timão da Igreja, claramente vimos e sentimos
ser Nosso dever usar Nossa autoridade em sua máxima extensão contra um
mal tão vasto. Nós já por muitas vezes, conforme as ocasiões surgiram,
atacamos alguns pontos principais dos ensinamentos que demonstraram de
uma maneira especial a perversa influência das opiniões Maçônicas. Assim,
em nossa carta encíclica, Quod Apostolici Muneris, Nós Nos esforçamos
por refutar as monstruosas doutrinas dos socialistas e comunistas; depois,
em outra começando com "Arcanum", Nós penosamente defendemos
e explicamos a verdadeira e genuína idéia da vida doméstica, da qual o
matrimônio é o ponto de partida e a origem; e novamente, naquela que começa
com "Diuturnum"[11], Nós descrevemos a idéia de governo político
conforme os princípios da sabedoria Cristã, que é maravilhosa em harmonia,
por um lado, com a ordem natural das coisas, e, por outro lado, com o
bem-estar tanto dos príncipes soberanos quanto das nações. É agora Nossa
intenção, seguindo o exemplo de Nossos predecessores, tratar diretamente
a própria sociedade maçônica, todo o seu ensinamento, seus objetivos,
e a sua maneira de pensar e agir, de modo a trazer mais e mais à luz seu
poder para o mal, e fazer o que Nós pudermos para deter o contágio desta
peste fatal.
9. Há vários corpos
organizados os quais, embora diferindo em nome, em cerimonial, em forma
e origem, são contudo tão unidos por comunhão de propósito e pela similaridade
de suas principais opiniões, de modo a formar de fato uma só coisa com
a seita dos Maçons, a qual é um tipo de centro ao qual todos eles se dirigem,
e do qual todos eles retornam. Agora, estes não mais mostram um desejo
de permanecer escondidos; pois eles realizam seus encontros à luz do dia
e à vista do povo, e publicam seus próprios jornais; e contudo, quando
completamente compreendidos, descobre-se que eles ainda retêm a natureza
e os hábitos de sociedades secretas. Há muitas coisas como mistérios que
é regra fixa esconder com extremo cuidado, não somente de estranhos, mas
de muitos e muitos membros, também; tais como seus desígnios secretos
e últimos, os nomes de seus maiores líderes, e certos segredos e encontros
privados, assim como suas decisões, e os caminhos e meios de executá-las.
Este é, sem dúvida, o objetivo das múltiplas diferenças entre os membros
quanto a direito, cargo e privilégio, das distinções recebidas de ordens
e graus, e da severa disciplina que é mantida.
Os candidatos são
geralmente ordenados a prometer - e mais, com um especial juramento, a
jurar - que eles não irão nunca, a nenhuma pessoa, em qualquer tempo ou
de qualquer modo, dar a conhecer os membros, as senhas, ou os assuntos
discutidos. Assim, com uma aparência externa fraudulenta, e com um estilo
de fingimento que é sempre o mesmo, os Maçons, como os Maniqueístas de
antigamente, esforçam-se, tanto quanto possível, para encobrir a si mesmos,
e para não admitir testemunhas exceto seus próprios membros. Como uma
maneira conveniente de disfarce, eles assumem o caráter de homens de letras
e acadêmicos associados com o objetivo de aprender. Eles falam de seu
zelo por um maior refinamento cultural, e de seu amor pelos pobres; e
eles declaram que seu único desejo é a melhoria da condição das massas,
e o compartilhamento com o maior número possível de pessoas de todos os
benefícios da vida civil. Mesmo que estes propósitos fossem visados verdadeiramente,
eles não são de modo algum o todo de seu objetivo. Ainda mais, para ser
alistado, é necessário que os candidatos prometam e assumam ser daí em
diante estritamente obedientes aos seus líderes e mestres com a mais completa
submissão e fidelidade, e estar de prontidão para cumprir suas ordens
à mais leve expressão de seu desejo; ou, se desobedientes, submeter-se
aos mais penosos castigos e à própria morte. De fato, se algum é julgado
ter traído as obras da seita ou ter resistido à ordens dadas, a punição
é infligida neles não infreqüentemente, e com tanta audácia e destreza
que o assassino muito freqüentemente escapa à detecção e punição de seu
crime.
10. Mas fingir e desejar
permanecer escondido; atar homens como escravos com as mais fortes correntes,
e sem dar qualquer razão suficiente; usar homens escravizados aos desejos
de outro para qualquer ato arbitrário; armar as mãos direitas de homens
para o massacre após assegurar a impunidade pelo crime - tudo isso é uma
enormidade diante qual a natureza recua. Por este motivo, a razão e a
própria verdade tornam claro que a sociedade da qual nós estamos falando
está em antagonismo com a justiça e a retidão natural. E isto se torna
ainda mais claro, uma vez que outros argumentos, também, e muito evidentes,
provam que ela é essencialmente oposta à virtude natural. Pois, não importando
quão grande possa ser a inteligência do homem em disfarçar e a sua experiência
em mentir, é impossível evitar os efeitos de qualquer causa de mostrarem,
de algum modo, a natureza intrínseca da causa da qual eles vêm. "Uma
boa árvore não pode produzir mau fruto, nem uma árvore ruim produzir bom
fruto."[12] Agora, a seita maçônica produz frutos que são perniciosos
e do mais amargo sabor. Pois, daquilo que Nós acima mostramos da maneira
mais clara, aquele que é o seu propósito último força-a a se tornar visível
- especificamente, a completa derrubada de toda a ordem religiosa e política
do mundo que o ensinamento Cristão produziu, e a substituição por um novo
estado de coisas de acordo com as suas idéias, das quais as fundações
e leis devem ser obtidas do mero naturalismo.
11. O que Nós dissemos,
e estamos para dizer, deve ser entendido com respeito à seita dos Maçons
tomada genericamente, e tanto quanto ela compreende as associações aparentadas
a ela e confederadas com ela, mas não dos seus membros individuais. Pode
haver pessoas entre eles, e não poucos que, embora não livres da culpa
de terem se enleado em tais associações, ainda assim não são eles mesmos
parceiros em seus atos criminosos nem conscientes do objetivo último que
eles estão se esforçando por alcançar. Do mesmo modo, algumas das sociedades
afiliadas, talvez, de modo algum aprovem as conclusões extremas que eles
iriam, se consistentes, abraçar como conseqüências necessárias de seus
princípios comuns, se a sua própria maldade não os enchesse de horror.
Alguns deles, novamente, são levados pelas circunstâncias dos tempos e
lugares ou a visar coisas menores do que os outros normalmente tentam
ou do que eles mesmos desejariam tentar. Eles não devem, entretanto, por
esta razão, ser considerados como estranhos à federação maçônica; porque
a federação maçônica deve ser julgada não tanto pelas coisas que ela tem
feito, ou concluído, quanto pela soma de suas opiniões pronunciadas.
12. Agora, a doutrina
fundamental dos naturalistas, que eles tornam suficientemente conhecida
em seu próprio nome, é que a natureza humana e a razão humana deveria
em todas as coisas ser senhora e guia. Eles ligam muito pouco para os
deveres para com Deus, ou os pervertem por opiniões errôneas e vagas.
Pois eles negam que qualquer coisa tenha sido ensinada por Deus; eles
não permitem qualquer dogma de religião ou verdade que não possa ser entendida
pela inteligência humana, nem qualquer mestre que deva ser acreditado
por causa de sua autoridade. E desde que é o dever especial e exclusivo
da Igreja Católica estabelecer completamente em palavras as verdades divinamente
recebidas, ensinar, além de outros auxílios divinos à salvação, a autoridade
de seu ofício, e defender a mesma com perfeita pureza, é contra a Igreja
que o ódio e o ataque dos inimigos é principalmente dirigido.
13. Nos assuntos a
respeito de religião que se veja como a seita dos Maçons age, especialmente
aonde ela é mais livre para agir sem barreiras, e então que qualquer um
julgue se realmente ela não deseja executar a política dos naturalistas.
Por um longo e perseverante labor, eles esforçam-se para alcançar este
resultado - especificamente, que o ofício de ensinar e a autoridade da
Igreja tornem-se sem valor no Estado civil; e por esta mesma razão eles
declaram ao povo e argumentam que a Igreja e o Estado devem ser completamente
desunidos. Por este meio eles rejeitam das leis e da nação a saudável
influência da religião Católica; e eles conseqüentemente imaginam que
os Estados devem ser constituídos sem qualquer consideração pelas leis
e preceitos da Igreja.
14. Nem eles pensam
ser suficiente desconsiderar a Igreja - a melhor das guias - mas eles
também a ferem por sua hostilidade. Realmente, para eles está dentro da
lei atacar com impunidade as próprias fundações da religião Católica,
em palavra, em escritos e em ensinamentos; e até os direitos da Igreja
não são poupados, e os ofícios com os quais ela é divinamente investida
não estão seguros. A mínima liberdade possível para administrar os assuntos
é deixada à Igreja; e isto é feito por leis aparentemente não muito hostis,
mas na realidade armadas e ajustadas para dificultar a liberdade de ação.
Ainda mais, Nós vemos leis excepcionais e opressivas impostas sobre o
clero, a fim de que eles possam ser continuamente diminuídos em número
e meios necessários. Nós também vemos os remanescentes das possessões
da Igreja restringidos pelas mais estritas condições, a sujeitados ao
poder e ao desejo arbitrário dos administradores do Estado, e as ordens
religiosas reviradas e espalhadas.
15. Mas contra a sé
apostólica e o Pontífice Romano a contenda destes inimigos tem sido por
um longo tempo dirigida. O Pontífice foi primeiro, por razões sem substância,
atirado para fora da proteção de sua liberdade e de seu direito, o principado
civil; logo, ele foi injustamente forçado em uma condição que era insuportável
por causa das dificuldades levantadas de todos os lados; e agora o tempo
chegou em que os partisans (guerrilheiros) da seita abertamente declaram,
o que em segredo entre eles mesmos eles têm por um longo tempo planejado,
que o poder sagrado dos Pontífices deve ser abolido, e que o próprio papado,
fundado por direito divino, deve ser totalmente destruído. Se outras provas
fossem desejadas, este fato seria suficientemente revelado pelo testemunho
de homens informados, dos quais alguns em outros tempos, e outros recentemente,
declararam ser verdadeiro a respeito dos Maçons que eles desejam especialmente
atacar violentamente a igreja com irreconciliável hostilidade, e que eles
nunca descansarão até que eles tenham destruído o que quer que os supremos
Pontífices tenham estabelecido como religião.
16. Se aqueles que
são admitidos como membros não são ordenados a abjurar por quaisquer palavras
as doutrinas Católicas, esta omissão, muito longe de ser adversa aos desígnios
dos Maçons é mais útil para os seus propósitos. Primeiro, deste modo eles
facilmente enganam os ingênuos e os incautos, e podem induzir um número
muito maior a se tornarem membros. Novamente, como todos que se oferecem
são recebidos qualquer que possa ser sua forma de religião, eles deste
modo ensinam o grande erro desta época - que uma consideração por religião
deveria ser tida como assunto indiferente, e que todas as religiões são
semelhantes. Este modo de raciocinar é calculado para trazer a ruína de
todas as formas de religião, e especialmente da religião Católica, que,
como é a única que é verdadeira, não pode, sem grande injustiça, ser considerada
como meramente igual às outras religiões.
17. Mas os naturalistas
vão muito mais longe; pois, tendo, nas mais altas coisas, entrado em um
curso completamente errôneo, eles são levados impetuosamente a extremos,
ou por causa da fraqueza da natureza humana, ou porque Deus inflige sobre
eles a justa punição do seu orgulho. Assim acontece que eles não mais
consideram como certas e permanentes aquelas coisas que são totalmente
entendidas pela luz natural da razão, tais como certamente são - a existência
de Deus, a natureza imaterial da alma humana, e sua imortalidade. A seita
dos Maçons, por uma similar trilha de erro, é exposta a estes mesmos perigos;
pois, embora de um modo geral eles possam professar a existência de Deus,
eles mesmos são testemunhas que eles não mantém todos esta verdade com
total concordância da mente e com uma firme convicção. Nem eles escondem
que esta questão sobre Deus é a maior fonte e causa de discórdias entre
eles; de fato, é certo que uma discussão considerável sobre este mesmo
assunto existiu entre eles muito recentemente. Mas, realmente, a seita
permite grande liberdade aos seus membros juramentados por voto, de modo
que para cada lado é dado o direito de defender a sua própria opinião,
ou de que há um Deus, ou de que não há nenhum; e aqueles que obstinadamente
argumentam que não há nenhum Deus são tão facilmente iniciados como aqueles
que argumentam que Deus existe, embora, como os panteístas, eles tenham
falsas noções acerca dEle: tudo que não é nada mais do que retirar a realidade,
retendo algumas absurdas representações da natureza divina.
18. Quando esta maior
e fundamental verdade foi derrubada ou enfraquecida, segue que aquelas
verdades, também, que são conhecidas pelo ensinamento da natureza devem
começar a cair - especificamente, que todas as coisas foram feitas pelo
livre desejo de Deus o Criador; que o mundo é governado pela Providência;
que as almas não morrem; que a esta vida dos homens sobre a terra sucederá
outra em uma vida eterna.
19. Quando estas verdades
foram eliminadas, as quais são os princípios da natureza e importantes
para o conhecimento e para o uso prático, é fácil de ver o que irá ser
da moralidade pública e privada. Nós não dizemos nada daquelas virtudes
mais celestiais, as quais ninguém pode exercer ou mesmo adquirir sem um
especial dom e graça de Deus; das quais necessariamente nenhum traço pode
ser encontrado naqueles que rejeitam como desconhecida a redenção da humanidade,
a graça de Deus, os sacramentos, e a felicidade a ser obtida no céu. Nós
falamos agora dos deveres que têm a sua origem na retidão natural. Que
Deus é o Criador do mundo e seu providente Governador; que a lei eterna
exige que a ordem natural seja mantida, e proíbe que ela seja perturbada;
que o fim último do homem é um destino muito acima das coisas humanas
e além desta parada sobre a terra: estas são as fontes e estes são os
princípios de toda justiça e moralidade.
Se eles forem removidos,
como os naturalistas e Maçons desejam, imediatamente não haverá nenhum
conhecimento quanto ao que constitui justiça e injustiça, ou sobre qual
princípio a moralidade é fundada. E, em verdade, o ensinamento de moralidade
que exclusivamente encontra o favor da seita dos Maçons, e em que eles
argumentam que os jovens deveriam ser instruídos, é o que eles chamam
"civil", e "independente", e "livre", especificamente,
aquele que não contém qualquer crença religiosa. Mas, quão insuficiente
tal ensinamento é, quanto deixa a desejar em firmeza, e quão facilmente
movido por cada impulso da paixão, é suficientemente provado por seus
tristes frutos, que já começaram a aparecer. Pois, aonde quer que, removendo
a educação Cristã, este ensinamento começou a reinar mais completamente,
aí a bondade e integridade da moral começou rapidamente a perecer, monstruosas
e vergonhosas opiniões têm crescido, e a audácia dos atos malignos tem
se elevado a um alto grau. Tudo isso é comumente lamentado e deplorado;
e não poucos daqueles que de modo algum desejam fazê-lo são compelidos
pela abundância de provas a dar não infreqüentemente o mesmo testemunho.
20. Ainda mais, a
natureza humana foi manchada pelo pecado original, e é portanto mais disposta
ao vício do que à virtude. Pois uma vida virtuosa é absolutamente necessária
para restringir os movimentos desordenados da alma, e para fazer as paixões
obedientes à razão. Neste conflito as coisas humanas devem freqüentemente
ser desprezadas, e os maiores trabalhos e durezas devem ser executados,
de modo que a razão possa sempre manter o seu domínio. Mas os naturalistas
e Maçons, não tendo fé naquelas coisas que nós aprendemos pela revelação
de Deus, negam que nossos primeiros pais tenham pecado, e conseqüentemente
pensam que o livre desejo não é de modo algum enfraquecido e inclinado
ao mal[13]. Pelo contrário, exagerando bastante o poder e a excelência
da natureza, e colocando somente ali o princípio e regra da justiça, eles
não podem nem mesmo imaginar que haja qualquer necessidade de uma constante
luta e uma perfeita firmeza para dominar a violência e governo de nossas
paixões.
Por isso nós vemos
que homens são publicamente tentados pelos muitos encantamentos do prazer;
que há jornais e panfletos sem moderação nem vergonha; que peças de teatro
são notáveis pela licenciosidade; que desenhos para obras de arte são
de uma maneira desavergonhada buscados nas leis de um assim chamado realismo;
que os planos de uma vida fácil e delicada são cuidadosamente elaborados;
que todas as seduções do prazer são diligentemente buscadas pelas quais
a virtude possa ser ninada até adormecer. Depravadamente, também, mas
ao mesmo tempo de um modo bastante consistente, fazem aqueles atos que
eliminam a expectativa das alegrias do céu, e trazem para baixo toda a
felicidade para o nível da mortalidade, e, de fato, a afundam na terra.
Do que Nós dissemos o seguinte fato, estarrecedor não tanto por si mesmo
quanto em sua aberta expressão, pode servir como confirmação. Pois, uma
vez que geralmente ninguém está acostumado a obedecer homens hábeis e
inteligentes tão submissamente como aqueles cuja alma está enfraquecida
e quebrada pelo domínio das paixões, tem havido na seita dos Maçons alguns
que têm simplesmente determinado e proposto que, engenhosamente e de propósito
estabelecido, a multidão deveria ser saciada com uma licença sem limite
para o vício, pois, quando isso tivesse sido feito, ela iria facilmente
cair sob o seu poder e autoridade para quaisquer atos de audácia.
21. Quanto ao que
se refere à vida doméstica nos ensinamentos dos naturalistas é quase tudo
contido nas seguintes declarações: que o casamento pertence ao gênero
dos contratos humanos, que pode ser legalmente revogado pelo desejo daqueles
que o fizeram, que os governadores civis do Estado têm poder sobre o laço
matrimonial; que na educação dos jovens nada deve ser ensinado em matéria
de religião como opinião certa e fixada; e cada um deve ser deixado livre
para seguir, quando chegar à idade, qualquer que ele preferir. Os Maçons
concordam completamente com estas coisas; e não somente concordam, mas
têm longamente esforçado-se para transformá-las em lei e instituição.
Pois em muitos países, e aqueles nominalmente Católicos, é estabelecido
que nenhum casamento deve ser considerado legal a não ser aqueles contraídos
pelo rito civil; em outros lugares a lei permite o divórcio; e em outros
todos os esforços são feitos para torná-lo legal tão logo quanto possível.
Portanto, o tempo está rapidamente se aproximando em que os casamentos
vão ser tornados em outro tipo de contrato - ou seja em uniões mutáveis
e incertas que um capricho pode unir, e que do mesmo modo quando se modificar
pode desunir.
Com a maior unanimidade
a seita dos Maçons também esforça-se para tomar a si mesma a educação
da juventude. Eles pensam que eles podem facilmente moldar às suas opiniões
aquela idade macia e maleável, e torcê-la no que quer que eles desejem;
e que nada pode ser mais adequado do que isto para permitir a eles levar
a juventude do Estado a seguir seu próprio plano. Portanto, na educação
e instrução de crianças eles não permitem qualquer participação, quer
no ensinamento ou na disciplina, aos ministros da Igreja; e em muitos
lugares eles têm procurado obter que a educação dos jovens esteja exclusivamente
nas mãos de leigos, e que nada que trate dos mais importantes e mais sagrados
deveres dos homens para com Deus deva ser introduzido na instrução sobre
moral.
22. E ainda há as
suas doutrinas sobre política, em que os naturalistas decretam que todos
os homens tem o mesmo direito, e são em todos os aspectos da mesma e igual
condição; que cada um é naturalmente livre; que nenhum tem o direito de
comandar a outrem; que é um ato de violência requerer que homens obedeçam
qualquer autoridade outra que aquela que é obtida deles mesmos. De acordo
com isto, portanto, todas as coisas pertencem ao povo livre; o poder é
exercido pela ordem ou permissão do povo, de modo que, quando o desejo
do povo muda, os governantes podem ser legalmente depostos e a fonte de
todos os direitos e deveres civis está ou na multidão ou na autoridade
governante quando esta é constituída de acordo com as últimas doutrinas.
É sustentado também que o Estado deve ser sem Deus; que nas várias formas
de religião não há razão pela qual uma devesse ter precedência sobre outra;
e que todas elas devem ocupar o mesmo lugar.
23. Que estas doutrinas
são igualmente aceitáveis aos Maçons, e que eles desejariam constituir
Estados de acordo com este exemplo e modelo, é excessivamente bem conhecido
para requerer prova. Por algum tempo eles tem abertamente esforçado-se
para tornar isto realidade com toda a sua força e recursos; e deste modo
eles preparam o caminho para não poucos homens audaciosos que estão se
apressando a fazer até as piores coisas, em seu esforço para obter igualdade
e comunhão de todos os bens pela destruição de todas as distinções de
título e propriedade.
24. O que, portanto,
a seita dos Maçons é, e que trilha ela persegue, aparece suficientemente
do sumário que Nós resumidamente demos. Seus dogmas principais estão tão
grandemente e manifestamente apartados da razão que nada pode ser mais
perverso. Desejar destruir a religião e a Igreja que o próprio Deus estabeleceu,
e cuja perpetuidade Ele assegura por Sua proteção, e trazer após um lapso
de dezoito séculos as maneiras e costumes dos pagãos, é notável insensatez
e audaciosa impiedade. Nem é menos horrível nem mais tolerável que eles
repudiem os benefícios que Jesus Cristo tão misericordiosamente obteve,
não somente para os indivíduos, mas também para as famílias e a sociedade
civil, benefícios os quais, mesmo de acordo com o julgamento e testemunho
de inimigos da Cristandade, são muito grandes. Nesta empreitada insana
e pervertida nós quase podemos ver o ódio implacável e o espírito de vingança
com o qual o próprio Satanás está inflamado contra Jesus Cristo. - Do
mesmo modo o estudado esforço dos Maçons para destruir as principais fundações
da justiça e honestidade, e para cooperar com aqueles que desejarem, como
se fossem meros animais, fazer o que eles quiserem, tende somente para
a ignominiosa e desgraçada ruína do gênero humano.
O mal, também, é agravado
pelos perigos que ameaçam a sociedade doméstica e civil. Como Nós demonstramos,
no matrimônio, de acordo com a crença de quase todas nações, há algo sagrado
e religioso; e a lei de Deus determinou que os matrimônios não devam ser
dissolvidos. Se eles forem desprovidos do seu caráter sagrado, e feitos
dissolúveis, problemas e confusão na família serão o resultado, a esposa
sendo despojada de sua dignidade e as crianças deixadas sem proteção quanto
aos seus interesses e bem-estar. - Não ter nos assuntos públicos qualquer
cuidado pela religião, e nos arranjos e administração dos assuntos civis
não ter maior consideração para com Deus do que se Ele não existisse,
é uma imprudência desconhecida dos próprios pagãos; pois em seus corações
e almas a noção de uma divindade e a necessidade de uma religião pública
estavam tão firmemente estabelecidas que eles teriam pensado ser mais
fácil ter uma cidade sem fundamentos do que uma cidade sem Deus. A sociedade
humana, para a qual nós verdadeiramente por natureza somos formados, foi
constituída por Deus, o Autor da natureza; e dEle, como de seu princípio
e fonte, fluem em toda a sua força e permanência os incontáveis benefícios
com os quais a sociedade abunda. Como todos e cada um de nós somos admoestados
pela própria voz da natureza para cultuar a Deus em piedade e santidade,
como o Doador da vida e de tudo que é bom nela, do mesmo modo e pela mesma
razão, nações e Estados estão obrigado a cultuá-lO; e portanto é claro
que aqueles que querem absolver a sociedade de todos os deveres religiosos
agem não só injustamente mas também com ignorância e insensatez.
25. Como os homens
são pela vontade de Deus nascidos para a união civil e sociedade, e como
o poder de governar é um elo de união tão necessário à sociedade que,
se ele é retirado, a sociedade necessariamente e imediatamente se desfaz,
segue que dEle que é o Autor da sociedade veio também a autoridade de
governar; assim quem quer que governe, é ministro de Deus. Portanto, como
o fim e a natureza da sociedade humana requerem, é correto obedecer às
justas ordens da autoridade legal, como é correto obedecer a Deus que
governa todas as coisas; e é extremamente falso que o povo tenha como
um poder jogar de lado sua obediência quando quer que lhe agrade.
26. De maneira semelhante,
ninguém duvida que todos os homens são iguais uns aos outros, tanto quanto
se refere à sua origem e natureza comuns, ou o fim último que cada um
deve atingir, ou os direitos e deveres que são daí derivados. Mas, como
as habilidades de todos não são iguais, como um difere do outro nos poderes
da mente e do corpo, e como há realmente muitas dessemelhanças de maneiras,
disposição, e caráter, é extremamente repugnante à razão esforçar-se por
confinar todos dentro da mesma medida, e estender completa igualdade às
instituições da vida civil. Assim como uma perfeita condição do corpo
resulta da conjunção e composição de seus vários membros, os quais, embora
diferindo em forma e propósito, fazem, por sua união e distribuição de
cada um em seu próprio lugar, uma combinação bela para ser mantida, firme
em força, e necessária para o uso; desse modo, na comunidade, há uma quase
infinita dessemelhança de homens, como partes do todo. Se eles devem ser
todos iguais, e cada um deve seguir seu próprio desejo, o Estado vai aparecer
extremamente deformado; mas se, com uma distinção de graus de dignidade,
de ocupações e empregos, todos habilmente cooperarem para o bem comum,
eles irão apresentar a imagem de um Estado bem constituído e conformado
à natureza.
27. Agora, dos perturbantes
erros que Nós temos descrito os maiores perigos para os Estados devem
ser temidos. Pois, sendo retirados o temor a Deus e a reverência pelas
leis divinas, sendo desprezada a autoridade dos governantes, a sedição
permitida e aprovada, e as paixões populares exacerbadas até o desprezo
pela lei, sem qualquer freio a não ser o castigo, uma mudança e derrubada
de todas as coisas necessariamente seguirá. Sim, esta mudança e derrubada
é deliberadamente planejada e colocada em curso por várias associações
de comunistas e socialistas; e aos seus propósitos a seita dos Maçons
não é hostil, mas favorece grandemente seus desígnios, e tem em comum
com eles suas principais opiniões. E se estes homens não se esforçam imediatamente
e em todo lugar para levar à frente seus pontos de vista extremos, isso
não deve ser atribuído ao seu ensinamento e sua vontade, mas à virtude
daquela divina religião que não pode ser destruída; e também porque a
parte mais sólida dos homens, recusando-se a ser escravizada às sociedades
secretas, vigorosamente resiste às suas insanas tentativas.
28. Se todos os homens
julgassem a árvore pelo seu fruto, e reconhecessem a semente e origem
dos males que nos pressionam, e dos perigos que estão nos ameaçando! Nós
temos que lidar com um inimigo enganoso e habilidoso, que, gratificando
os ouvidos do povo e dos príncipes, os tem enleado por falas macias e
por adulação. Entrando nas boas graças dos governantes sob a alegação
de amizade, os Maçons tem se esforçado para fazê-los seus aliados e poderosos
auxiliadores para a destruição do nome Cristão; e para que eles possam
mais fortemente pressioná-los, eles têm, com determinada calúnia, acusado
a Igreja de maliciosamente contender com os governantes em assuntos que
afetam a sua autoridade e soberano poder. Tendo, por estes artifícios,
assegurado a sua própria segurança e audácia, eles começaram a exercer
grande peso no governo dos Estados: mas entretanto estão preparados para
sacudir as fundações de impérios, para perturbar os governantes do Estado,
para acusá-los, e para expulsá-los, tão freqüentemente quanto eles aparentam
governar de modo diferente do que eles próprios poderiam ter desejado.
De modo semelhante, eles têm por falsos elogios iludido o povo. Proclamando
com uma alta voz a liberdade e prosperidade pública, e dizendo que era
por causa da Igreja e dos soberanos que a multidão não era retirada de
sua injusta servidão e pobreza, eles se impuseram sobre o povo, e, excitando-os
por uma sede por novidades, eles os pressionaram a assaltar tanto a Igreja
quanto o poder civil. Entretanto, a expectativa de benefícios que era
esperada é muito maior do que a realidade; realmente, as pessoas comuns,
mais oprimidas do que elas eram antes, estão privadas em sua miséria daquele
consolo que, se as coisas tivessem sido arranjadas de um modo Cristão,
eles teriam tido com facilidade e em abundância. Mas, quem quer que lute
contra a ordem que a Divina Providência constituiu paga usualmente a penalidade
por seu orgulho, e encontra-se com a aflição e a miséria quando eles insensatamente
esperavam encontrar todas as coisas prósperas e conforme os seus próprios
desejos.
29. A Igreja, se ela
dirige os homens a prestar obediência principalmente a acima de tudo a
Deus o soberano Senhor, é erradamente e falsamente considerada ou invejosa
do poder civil ou de se arrogar algo dos direitos dos soberanos. Pelo
contrário, ela ensina que o que é retamente devido ao poder civil deve
ser prestado a ele com convicção e consciência de dever. Ensinando que
do próprio Deus vem o direito de governar, ela adiciona uma grande dignidade
à autoridade civil, e ainda ajuda a obter a obediência e boa intenção
dos cidadãos. Amiga da paz e sustentáculo da concórdia, ela abraça a todos
com amor maternal, e, intencionando apenas auxiliar o homem mortal, ela
ensina que à justiça deve ser ajuntada a clemência, eqüidade à autoridade,
e moderação à legislação; que o direito de ninguém pode ser violado; que
a ordem e a tranqüilidade pública devem ser mantidas e que a pobreza daqueles
que estão em necessidade deve, tanto quanto possível, ser aliviada pela
caridade pública e privada. "Mas por esta razão," para usar
as palavras de Sto. Agostinho, "os homens pensam, ou gostariam de
acreditar, que o ensinamento Cristão não é adequado para o bem do Estado;
pois eles desejam que o Estado seja fundado não em sólida virtude, mas
na impunidade do vício."[14] Sabendo destas coisas, os príncipes
e o povo agiriam com sabedoria política[15], e de acordo com as necessidades
da segurança geral, se, ao invés de juntar-se aos Maçons para destruir
a Igreja, eles se juntassem à Igreja para repelir os seus ataques.
30. O que quer que
o futuro possa ser, neste grave e difundido mal é Nosso dever, veneráveis
irmãos, esforçar-nos por encontrar um remédio. E porque Nós sabemos que
a Nossa melhor e mais firme esperança de um remédio está no poder daquela
divina religião que os Maçons odeiam em proporção ao seu medo dela, Nós
pensamos ser de capital importância chamar esse grande poder salvífico
em Nosso auxílio contra o inimigo comum. Portanto, tudo que os Pontífices
Romanos Nossos predecessores decretaram com o propósito de opor-se aos
projetos e esforços da seita maçônica, e tudo que eles tenham legislado
quanto à entrada ou saída de homens de sociedades deste tipo, Nós ratificamos
e confirmamos completamente pela nossa autoridade apostólica: e confiando
grandemente na boa intenção dos Cristãos, Nós rogamos e imploramos a cada
um, pela sua salvação eterna, para ser o mais conscienciosamente cuidadoso
para não divergir o mínimo que seja daquilo que a sé apostólica tem ordenado
neste assunto.
31. Nós rogamos e
imploramos a vós, veneráveis irmãos, a juntar os vossos esforços com os
Nossos, e esforçadamente lutar pela extirpação desta praga maligna, que
está se esgueirando através das veias do corpo da política. Vós deveis
defender a glória de Deus e a salvação do vosso próximo; e com o objetivo
de vosso combate à vossa frente, nem coragem nem força irão faltar. Será
por vossa prudência que julgareis por quais modos vós podeis melhor sobrepujar
as dificuldades e obstáculos com os quais vos encontrardes. Mas, como
pertence à autoridade de Nosso ofício que Nós mesmos apontemos algumas
maneiras apropriadas de procedimento, Nós desejamos que o vosso primeiro
ato seja arrancar a máscara da Maçonaria, e deixar que ela seja vista
como realmente é; e por sermões e cartas pastorais instruir o povo quanto
aos artifícios usado pelas sociedades deste tipo para seduzir os homens
e persuadi-los a entrar em suas fileiras, e quanto à perversidade de suas
ações e à maldade de seus atos. Como Nossos predecessores por muitas vezes
repetiram, que nenhum homem pense que ele possa por qualquer razão que
seja ajuntar-se à seita maçônica, se ele dá valor ao seu nome Católico
e à sua salvação eterna como ele deveria valorizá-los. Que nenhum seja
enganado por uma pretensão de honestidade. Pode parecer a alguns que os
Maçons não exigem nada que seja abertamente contrário à religião e à moral;
mas, como todo princípio e objetivo da seita está naquilo que é vicioso
e criminoso, ajuntar-se com estes homens ou em algum modo ajudá-los não
pode ser legítimo.
32. Além disso, por
assíduos ensinamentos e exortações, a multidão precisa ser levada a aprender
diligentemente os preceitos da religião; para este propósito Nós encarecidamente
recomendamos que por oportunos escritos e sermões lhes sejam ensinados
os elementos daquelas sagradas verdades nas quais a filosofia Cristã está
contida. O resultado disto será que as mentes dos homens serão fortalecidas
pela instrução, e serão protegidas contra muitas formas de erro e induções
à depravação, especialmente na presente liberdade de escrita sem limites
e insaciável desejo de aprender.
33. Grande, realmente,
é a obra; mas nela o clero irá compartilhar os vossos trabalhos, se, através
de vosso cuidado, eles estiverem à altura disto através do aprendizado
e de uma vida bem orientada. Este bom e grande trabalho requer o auxílio
também da indústria daqueles entre os leigos em que um amor pela religião
e pela pátria existe ao lado da instrução e retidão de vida. Unindo os
esforços do clero e dos leigos, batalhai, veneráveis irmãos, para fazer
os homens conhecer e amar completamente a Igreja; pois, quanto maior o
seu conhecimento e amor pela Igreja, mais eles se desviarão das sociedades
clandestinas.
34. Por este motivo,
não sem causa Nós usamos esta ocasião para declarar novamente o que nós
declaramos em outro lugar, ou seja, que a Ordem Terceira de São Francisco,
cuja disciplina Nós algum tempo atrás prudentemente mitigamos[16], deveria
ser refletidamente promovida e sustentada; pois todo o objetivo desta
Ordem, como constituída por seu fundador, é convidar os homens a uma imitação
de Jesus Cristo, a um amor à Igreja, e à observância de todas as virtudes
Cristãs; e portanto ela deveria ser de grande influência em suprimir o
contágio das sociedades pervertidas. Que, portanto, esta santa irmandade
possa ser fortalecida por um crescimento diário. Entre os muitos benefícios
a serem esperados disso estará o grande benefício de voltar as mentes
dos homens à liberdade, fraternidade e igualdade de direito; não tais
como os Maçons absurdamente imaginam, mas tais como Jesus Cristo obteve
para o gênero humano e aos quais São Francisco aspirou: a liberdade, Nós
queremos dizer, de filhos de Deus, através da qual nós podemos ser livres
da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, ambos os mais perversos mestres;
a fraternidade cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos;
a igualdade a qual, fundada na justiça e caridade, não remove todas as
distinções entre os homens, mas, das variedades da vida, dos deveres,
e das ocupações, forma aquela união e aquela harmonia que naturalmente
tende ao benefício e dignidade da sociedade.
35. Em terceiro lugar,
há um assunto sabiamente instituído por nossos ancestrais, mas no decorrer
do tempo deixado de lado, que pode agora ser usado como um padrão e forma
de algo semelhante. Nós queremos dizer as associações ou organizações
de trabalhadores, para proteger, sob a direção da religião, os seus interesses
temporais e a sua moralidade. Se nossos ancestrais, por longa prática
e experiência, sentiram o benefício destas associações, nossa época talvez
irá senti-lo ainda mais por causa da oportunidade que eles darão de esmagar
o poder das seitas. Aqueles que sustentam a si mesmos pelo trabalho de
suas mãos, além de serem, pela sua própria condição, mais dignos acima
de todos os outros de caridade e consolação, são também especialmente
expostos às tentações de homens cujos caminhos estão na fraude e no engano.
Portanto, eles devem ser ajudados com a maior bondade possível, a ser
convidados a juntar-se a associações que são boas, para que eles não sejam
arrastados para outras que são malignas. Por esta razão, Nós grandemente
desejamos, pela salvação das pessoas, que, sob os auspícios e patrocínio
dos bispos, e em oportunidades convenientes, estas associações possam
ser restauradas de uma maneira generalizada. Para Nossa grande alegria,
irmandades deste tipo e também associações de mestres já foram estabelecidas
em muitos lugares, tendo, cada classe delas, por seu objetivo ajudar os
honestos trabalhadores, a proteger e guardar suas crianças e família,
e a promover neles a piedade, o conhecimento Cristão, e uma vida moral.
E neste assunto Nós não podemos nos omitir de mencionar aquela sociedade
exemplar, denominada de acordo com o seu fundador, São Vicente, que tem
merecido tanto das classes mais baixas. Seus atos e seus alvos são bem
conhecidos. Todo o seu objetivo é dar alívio ao pobre e miserável. Isto
ela faz com singular prudência e modéstia; e quanto menos ela deseja ser
notada, mais ela se adequa ao exercício da caridade Cristã, e para o alívio
dos sofredores.
36. Em quarto lugar,
de modo a mais facilmente atingir o que Nós desejamos, à vossa fidelidade
e vigilância Nós recomendamos de um modo especial os jovens, como sendo
a esperança da sociedade humana. Devotai a maior parte do vosso cuidado
à instrução deles; e não pensai que qualquer precaução possa ser grande
o suficiente para mantê-los afastados de mestres e escolas aonde o hálito
pestilento das seitas deva ser temido. Sob a vossa direção, deixem os
pais, instrutores religiosos, e padres tendo a cura de almas, usar cada
oportunidade, em seu ensinamento Cristão, para advertir suas crianças
e pupilos da natureza infame destas sociedades, para que eles possam aprender
em bom tempo a terem cuidado com os variados e fraudulentos artifícios
pelos quais seus promotores costumam laçar as pessoas. E aqueles que instruem
os jovens em conhecimento religioso agirão sabiamente se eles induzirem
todos eles a se resolverem e se comprometerem a nunca ligar-se a qualquer
sociedade sem o conhecimento de seus pais, ou o conselho de seu padre
ou diretor.
37. Nós bem sabemos,
entretanto, que os nossos esforços unidos não serão de modo algum suficientes
para arrancar estas sementes perniciosas do campo do Senhor, a menos que
o Celestial Mestre da vinha misericordiosamente nos ajude em nossos esforços.
Nós precisamos, portanto, com grande e ansioso cuidado, implorar a Ele
a ajuda que a grandeza do perigo e da necessidade requer. A seita da Maçonaria
mostra-se insolente e orgulhosa de seu sucesso, e parece que ela não colocará
limites à sua pertinácia. Seus seguidores, ajuntados por perversos acordos
e por conselhos secretos, ajudam-se uns aos outros, e excitam-se uns aos
outros a uma audácia nas coisas malignas. Um ataque tão veemente exige
uma igual defesa - especificamente, que todos os homens de bem formem
a mais abrangente associação possível de ação e de oração. Nós imploramos
a eles, portanto, com corações unidos, a permanecer unidos e firmes contra
as forças das seitas que avançam; e em aflição e súplica estender suas
mãos a Deus, orando que o nome Cristão possa florescer e prosperar, que
a Igreja possa desfrutar da sua necessária liberdade, que aqueles que
se extraviaram possam retornar a uma mente reta, que o erro difundido
possa dar lugar à verdade, e o vício à virtude. Tomemos como nossa auxiliadora
e intercessora a Virgem Maria, Mãe de Deus, para que ela, que desde o
momento de sua concepção derrotou Satanás possa mostrar seu poder sobre
estas seitas malignas, nas quais revive o contumaz espírito do demônio,
juntamente com sua perfídia insubmissa e enganosa. Imploremos a Miguel,
o príncipe dos anjos celestes, que lançou fora o infernal inimigo; e José,
o esposo da santíssima Virgem, e patrono celeste da Igreja Católica; e
os grandes Apóstolos, Pedro e Paulo, os pais e campeões vitoriosos da
fé Cristã. Por seu patrocínio, e pela perseverança na união de oração,
Nós esperamos que Deus irá misericordiosamente e oportunamente socorrer
o gênero humano, que é rodeado por tantos perigos.
38. Como garantia
dos dons celestes e de Nossa benevolência, Nós amorosamente concedemos
no Senhor a vós, veneráveis irmãos, e ao clero e todo o povo confiado
ao vosso vigilante cuidado, Nossa bênção apostólica.
Dado em Roma, junto
de S. Pedro, no vigésimo dia de abril de 1884, o sexto ano de Nosso pontificado.
Notas:
[1] De civ. Dei,
14, 28 (PL 41, 436).
[2] Sl 82,2-4.
[3] Const. In Eminenti,
24 de abril de 1738.
[4] Const. Providas,
18 de maio de 1751.
[5] Const. Ecclesiam
a Jesu Christo, 13 de setembro de 1821.
[6] Const. dada a 13
de março de 1825.
[7] Enc. Traditi,
21 de maio de 1829.
[8] Enc. Mirari,
15 de agosto de 1832.
[9] Enc. Qui Pluribus,
9 de novembro de 1846; pronunciamento Multiplices inter, 25 de
setembro de 1865. etc.
[10] Clemente Xll (1730-40);
Bento XIV (1740-58), Pio VII (1800-23); Pio IX (1846-78).
[11] Ver números 79, 81, 84.
[12] Mt 7,18.
[13] Trid.,
sess. vi, De justif, c. 1. Texto do Concílio de Trento: "tametsi
in eis (sc. Judaeis) liberum arbitrium minime extinctum esset,
viribus licet attenuatum et inclinatum."
[14] Ver Arcanum, no.
81.
[15] Epistola 137,
ad Volusianum, c. v, n. 20 (PL 33, 525).
[16] (17 de
setembro de 1882), na qual o Papa Leão XIII tinha recentemente glorificado
S. Francisco de Assis por ocasião do sétimo centenário de seu nascimento.
Nesta encíclica, o Papa apresentou a Ordem Terceira de S. Francisco como
uma resposta Cristã aos problemas sociais da época. A constituição
Misericors Dei filius (23 de junho de 1883) expressamente relembrou
que a negligência com a qual as virtudes Cristãs são tidas é a causa principal
dos males que ameaçam as sociedades. Confirmando a regra da Ordem Terceira
e adaptando-a às necessidades dos tempos modernos, o Papa Leão XIII intencionava
trazer de volta o maior número possível de almas à prática destas virtudes.
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